miércoles, 26 de junio de 2013
Reinvención de la política CW Porto Gonsalves et al
Sejamos realistas, exijamos ...
que se vayan todos ...
Pela reinvenção da política
Carlos Walter Porto-Gonçalves
Fernando Luis Monteiro Soares
Nas duas últimas semanas o locus do fazer político no Brasil se deslocou para as ruas ultrapassando a institucionalidade. A cena do Senador José Sarney saindo pela porta dos fundos do Senado quando os ativistas ocuparam o telhado da instituição é emblemática. Ele que foi o primeiro presidente pós-ditadura militar eleito pela via indireta e que ali chegara pela pressão das ruas do movimento das Diretas Já é, agora, flagrado se retirando do Senado da República por ativistas que assim sinalizavam a crise de legitimidade do sistema político vigente no país. Afinal, ele era posto prá fora diretamente.
Manifestante exibe cartaz exigindo Dilma dos tempos da resistência.
Foto de João Godinho/AE. Fonte: O Estado de São Paulo 22/06/2013.
Essa institucionalidade posta em crise nas ruas atinge não somente o Parlamento e os Executivos, sobretudo os estaduais e municipais muito mais que o governo federal, mas também os meios corporativos de comunicação de massa, sobretudo as grandes redes de televisão que viram seus carros de reportagens queimados em praça pública, casos da Rede Record e do SBT, ou que estão tendo que trabalhar nas ruas sem seus logotipos nos carros e microfones, com o é o caso da Rede Globo. Registre-se que essa mídia corporativa saudou a repressão contra o que chamou de “baderneiros” quando das primeiras manifestações contra o aumento das tarifas de ônibus. Só depois que a violenta repressão policial atingiu não só manifestantes, mas também repórteres que cobriam os acontecimentos é que esses meios corporativos de comunicação começaram a cobrir as mobilizações de modo mais direto, mesmo assim demonstrando perplexidade com o que reportavam.
Não devemos menosprezar o pano de fundo de um ano que antecede as eleições presidenciais de 2014 em que os setores conservadores se vêm sem chances, embora comecem a vislumbrar algumas possibilidades em um cenário econômico que não é mais o céu de brigadeiro que viveu Lula da Silva, sobretudo em seu segundo mandato. Todavia, o que se vê no horizonte, ainda que em meio a muita fumaça de gás lacrimogêneo, é que a agenda do sistema político instituído não é a mesma da sociedade quando se observa o conjunto de demandas que emana das ruas. A cena da Presidenta Dilma Roussef afirmando que o Brasil saíra mais forte depois do primeiro dia de grandes manifestações nacionais numa cerimônia em que lançava o Novo Código de Mineração só ratifica o quanto a agenda política está fora da agenda das ruas. Afinal, o governo que lançava o Novo Código de Mineração é o mesmo que mantém no Congresso projetos de lei que autoriza mineração em área indígena. E isso no mesmo momento que em que a Polícia Federal fazia reintegração de posse de uma fazenda que a própria justiça reconhecera como área indígena e que um juiz substituto ignorara e mandava reintegrar a terra ao pretenso proprietário. Nesse conflito a intervenção policial terminou com a morte de um índio Terena, mais uma entre os 560 indígenas assassinados nos últimos dez anos no país, segundo o CIMI. Ainda nesse mesmo momento o governo federal se vira obrigado a receber mais de 150 indígenas que ocupavam o canteiro de obras do mega-projeto hidrelétrico de Belo Monte, depois de várias tentativas frustradas de marcar uma audiência com o gabinete da Presidenta. Acrescente-se, ainda, que esse Brasil agrário e indígena se conecta com o Brasil urbano em vias de modernização com as obras para a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016 onde o estado de exceção se impõe contra populações pobres que estão sendo expulsas de suas casas para construção de estádios e toda a infraestrutura demandada por uma das instituições mais corruptas do mundo, como a FIFA. A violência do Plano Urbanístico que envolve as obras do estádio do Maracanã despreza uma escola pública de qualidade e um Parque de Esportes aquático e de atletismo ambos frequentados por populações pobres e ainda um Museu do Índio que se queria um Centro Intercultural na Aldeia Maracanã para fazer, haja insensatez, um estacionamento para automóveis, o que dá conta do vandalismo institucionalizado.
Eis o contexto imediato que antecedeu a convocação pelo Movimento Passe Livre para que a população se manifestasse contra o aumento das tarifas de ônibus. A conexão entre tudo isso só não foi percebida pelo sistema político-midiático que acreditou que iria cobrir a abertura da Copa das Confederações sem nenhum ruído, mesmo depois da violenta repressão da polícia do governo da Nova Direita de São Paulo, do Sr. Alckmin (PSDB), contra os manifestantes que se mobilizavam contra o aumento das tarifas. As vaias no estádio talvez sejam um dos melhores catalizadores de toda a insatisfação que já se manifestava fora do estádio Mané Garrincha em Brasília, haja vista os enormes gastos públicos feitos na construção de estádios que serão transferidos para corporações globais pós-Copa e Olimpíadas. A tarifa de ônibus, como disse o filósofo Paulo Arantes, “embora de foco único, é maximalista (...): a meta é a tarifa zero. (...) Pelo tênue fio da tarifa é todo o sistema que desaba, do valor da força de trabalho a caminho de seu local de exploração à violência da cidade segregada rumo ao colapso ecológico. Simples assim, por isso, fatal, se alcançar seu destinatário na hora social certa ...”. É da coisa pública contra os interesses privados que se está tratando em Belo Monte, entre os indígenas Terena em Mato Grosso do Sul, na Aldeia Maracanã, nas obras da Copa, inclusive em seus detalhes urbanísticos, no Novo Código de Mineração, nos projetos de mineração em área indígena para beneficiar grandes corporações, na não reforma agrária, como denuncia o MST. O Movimento Passe Livre acerta o alvo quando aponta para o caráter privatista que comanda as políticas que deveriam ser de caráter público que ainda são agravadas pelo conluio das empresas de ônibus que financiam campanhas de vereadores e prefeitos e fazem com que a mobilidade pública se transforme num inferno cotidiano seja pelos congestionamentos monstros, seja pela péssima qualidade com que as empresas transportam cidadãs e cidadãos e trabalhadora/es. Dessa forma não se trata de um fenômeno moral, como os setores conservadores procuram tratar o tema da corrupção, mas de uma estreita ligação do que seria o poder público com os interesses privados onde a corrupção está no cerne da política e, por isso, o “que se vayan todos” está no ar.
A opção política da direção do PT com seu “pragmatismo ilimitado” lançou o partido nos braços dos setores mais conservadores em nome de uma governabilidade onde, até mesmo, aliança com o político conhecido entre os mais corruptos do país, como o Sr. Paulo Maluf, fez parte dos cálculos de poder. O país, apesar dos evidentes avanços sociais que experimentou nos últimos anos, não foi capaz de diminuir a gritante desigualdade social que, entre nós, é ainda agravada politicamente por seu caráter étnico-racial. Vários ativistas de favelas do Rio de Janeiro acusam a violência específica que se abateu contra os jovens negros nas manifestações. Aliás, a repressão policial que normalmente se abate contra jovens negros e pobres das periferias de nossas cidades dão conta que a herança militar da ditadura permanece, sobretudo para os mais oprimidos/explorados entre os mais oprimidos/explorados. A desmilitarização das polícias se inscreve como uma das mais importantes reivindicações desse novo ciclo de lutas que se abre no país para que a democracia possa ser, de fato, ligada à sua fonte e destino, qual seja ao demo, ao povo, essa categoria abstrata que todos sabem quem é.
Embora com as especificidades brasileiras, essas manifestações trazem as marcas dos novos movimentos sociais em período de acumulação flexível em luta pelo bem comum. Talvez aqui residam as maiores dificuldades dos movimentos sociais que se forjaram desde os primórdios da Revolução Industrial e do fordismo, onde as grandes concentrações geográficas de trabalhadores davam um enorme poder à classe operária que com suas greves conseguiam contra-atacar o capital, a burguesia e os gestores. O neoliberalismo com sua acumulação flexível reconfigurou as bases materiais da sua dominação e, assim, “la nueva fábrica es el barrio”, como destacou um ativista argentino quando emergiu o movimento piquetero em finais dos anos 1990 e inícios dos 2000. Agora se param as cidades; se fazem bloqueios de ruas e estradas, como se viu em São Paulo quando as populações das periferias bloquearam as rodovias que dão acesso à cidade. Esses movimentos são herdeiros de outro fazer político que pautaram, na América Latina, outro léxico político como “a vida, a dignidade e o território” e, com isso, reivindicam que haja mais autonomia dos povos e dos cidadãos na gestão da coisa pública, na gestão dos territórios. Assim, além da igualdade, bandeira clássica das esquerdas, acrescentam a dignidade que significa que devem ser reconhecidos como dignos de interlocução e, assim, o político se coloca como condição do social na sua diversidade.
Importa reconhecer que o avanço das possibilidades de uso das tecnologias de comunicação reconfiguram a forma de relação entre os sujeitos políticos, em que precisamos reconhecer a superação, em curso, de uma linearidade autoritária e hierárquica que nos separa entre sujeitos (classe política) e objetos (classes subalternas) dos processos discursivos, de gestão pública e da comunicação de massas, para uma circularidade comunicativa interativa que provoca a emergência de novos sujeitos sociais. Esta circularidade, como condição do fluxo de informações geradas pelos e nos movimentos sociais, nos espaços reais e virtuais, revela e coloca em xeque o anacronismo da ‘inteligência’ de ‘controle/direção’ política e a própria presunção de autoridade e dos especialistas dos meios de comunicação corporativa. Esta mudança de paradigma não está inscrita na tecnologia, mas é a resultante de processos de resignificação (hackeamento) destas ferramentas por sujeitos políticos em processo de superação coletiva da sua condição de opressão, que transmutaram o sentido destas redes, de uma perspectiva de interação interindividual para uma de formação, organização, articulação e interação entre coletivos em luta. De forma que, não é a rede que os torna comuns, mas a própria emergência da necessidade da luta como condição de dignidade.
São outros espaço-tempos onde as instituições hierárquicas dos partidos e dos sindicatos, que tanta contribuição trouxe e ainda pode trazer, sobretudo quando se mantém ligados às lutas sociais concretas, já não conseguem dar conta do que está em curso. Eduardo Galeano, que ninguém haverá de negar sua identidade como um intelectual de esquerda, registrou o humor das ruas, entre os indignados de Barcelona, que traziam em um cartaz: “A esquerda? Onde está a esquerda? E a resposta: está ao fundo, à direita”. O não-partidarismo que grassa nos manifestações brasileiras não é uma manifestação fascista como alguns tentam caracterizar, embora a hipótese de que venha a ser não deva ser descartada. O Movimento Passe Livre foi claro ao condenar esse espírito se declarando como “um movimento apartidário, mas não anti-partidário” e reconhecendo publicamente que muitos militantes de partidos políticos, sobretudo os de esquerda com pouca expressão eleitoral (PCO, PSTU e PSOL) estiveram na origem e continuam no movimento. A ausência da UNE – União Nacional dos Estudantes – há muito controlada por partidos de esquerda ligados ao governo, num movimento que recupera uma das bandeiras históricas do movimento estudantil, como a do preço das passagens, e que se caracteriza por ser predominantemente de estudantes, dá mostra da falência das mediações tradicionais, sejam partidárias e/ou sindicais. As manifestações de rua recuperam o sentido da política como coisa pública protagonizada pelo povo e não deixam de sinalizar a falência de um sistema político que não os representa, embora não tenha claro o que colocar no lugar. Esse é o recado que vem das ruas e que exige mais além das manifestações, uma organização que potencialize essa agenda que, como bem disse Paulo Arantes: “A vida no Brasil sem dúvida melhorou, e muito, nestas duas décadas de ajuste ao capitalismo global. No entanto, ninguém aguenta mais”. Daí a necessidade de que sejamos realistas e exigirmos ... que se vayan todos ... em busca da reinvenção da política.
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